"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever eu me morreria simbolicamente todos os dias" (Clarisse Lispector - A Hora da Estrela)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sete dias no paraíso e uma vontade louca de respirar a negra realidade da dimensão em que vivera. Ninguém disse que ela morreria jovem e ninguém lhe certificou que o céu seria assim. Algo calmo, doce, sereno, parado. Pra isso já bastara toda aquela vida de santidade em terra.
Ela sempre acreditou que quando morresse ia receber uma recompensa por ter sido sempre o exemplo de moralismo e decência enquanto era viva, e então poderia ser livre, fazer somente o que lhe viesse a mente.
Imaginava o seu próprio céu.
Um lugar colorido, cheio de plantas e cores e sol. Onde a grama seria macia, as frutas suculentas, não existiria uma maça proibida, a canção não cessaria e as pessoas poderiam se tocar e se deitar por onde quisessem. Bastaria imaginar pra que a comida aparecesse, a água seria doce e causaria sonolenta embriagues. As mulheres poderiam se tocar mutuamente e os homens não precisariam escolher uma companhia somente. E as crianças correriam e dançariam contentes.
Tudo seria alegre e as sensações seriam mais aguçadas, todas elas. As risadas seriam mais vibrantes, o olhar seria mais expressivo, o prazer mais intenso, as alucinações mais vivas e tudo giraria de maneira sincrônica com o ventre, o sagrado e puro ventre.
Mas aquilo não estava parecendo nada com o que vagueava na sua mente. Que espécie de evolução a levara pra um lugar com o qual ela não sonhara?
O que fazer com o prêmio que não se deseja? Com a fome que não se sacia? Com o beijo que não enlouquece? A loucura que não alivia?
Ela esperou pela morte para viver, e agora devolve à vida a morte estabelecida.
Talvez estivesse a procura de um inferno, talvez esse pensamento moderno não coubesse mais em si.

Um comentário:

  1. "...e naquele momento, o céu de sua boca era o mais alto que eu queria chegar..." A idéia de céu ou lugar ideal, é tão mutável quanto nós e nossos sonhos...

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