"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever eu me morreria simbolicamente todos os dias" (Clarisse Lispector - A Hora da Estrela)

sábado, 27 de agosto de 2011

Ela se trancou no escritório naquele sábado e ficou observando o sol pela janela. O comodismo, a rotina, a obrigatoriedade de ser quem o mundo queria que ela fosse agora se tornara maior que o desejo simples de respirar aqueles raios quentes e aconchegantes. Não se lembrava mais como isso pôde acontecer, desde quando ela começara a desistir e a ceder? Se tornara a imagem daqueles que sempre repeliu, sempre criticou, se tornara o exemplo que nunca quis seguir, e aquilo aconteceu sem que nem ao menos ela percebesse. Uma necessidade de se manter em pé, de não se deixar abater, de não se deixar diminuir e lá se foi toda a espontaneidade de criança, o desejo da liberdade plena, o sorriso honesto, desses que vêm da alma mesmo. Daí surgiram as máscaras que ela usa, a postura com a qual ela se veste, o enigmatismo que a cerca. Daí surgiram os escudos anti-pessoas, anti-contato, anti-amor. Que vida essa que levava... Todas as noites sonhando com um universo perfeito que deveria estar por aí em algum lugar a esperando, as imagens do passado, um livro ao ar livre, as mãos de alguém acariciando seus cabelos, e de repente o suor escorrendo, as mãos tremendo, amanheceu e o sonho era só sonho. De volta ao real, a vida nao é colorida, é cinza. As pessoas não são suas amigas, são carrascas esperando qualquer erro seu, qualquer deslize fatal. Então continuava a encher o dia de obrigações, encher a cabeça com falsas preocupações, fingir uma vida que nunca se encaixaria nela realmente. Porque mesmo ela continuava naquilo? Sábado, trancada em seu escritório, olhando o dia ensolarado lá fora. Estupidamente vazia de vida, perdida na falsa sensação de independência, submetida ao cárcere da solidão, presa, sufocada no próprio e desconhecido 'eu'.

4 comentários:

  1. Caramba! como este texto é verdadeiro.
    Adorei
    Um beijo grande

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  2. Durante a correria, desejamos a ociosidade, durante a ociosidade, desejamos ter algo pra fazer...estamos sempre desejando o que não temos, não que isso seja ruim, acredito que isso faça parte de processo evolutivo...porém, aproveitar o que se tem, e não ter pressa de que acabe, isso faz parte do processo de auto conhecimento e já que a felicidade plena é tão utópica, buscar a felicidade em detalhes do momento, fazem com que esta esteja presente por mais tempo que possamos perceber...e no futuro sabemos que a frase que fará parte de nossos momentos "filosóficos" será: Eu era feliz e não sabia!

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