"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever eu me morreria simbolicamente todos os dias" (Clarisse Lispector - A Hora da Estrela)

Ana Estrela

A Menina Que Queria Ser Estrela

Do outro lado do planeta, melhor dizendo, da rua, morava uma menina chamada Ana. Mil nomes ela tinha, e cada pessoa lhe dava mais um. Seu avô a chamava de Ana Nêga, sua irmã de Ana do Mato, seu tio de Ana Sarna, sua mãe de Ana Pilha... e por aí ia. Mas a verdade é que Ana era só Ana, e nenhum daqueles nomes que lhe davam fazia sentido, pois ela não era "nega", não era "do Mato", não tinha "Sarna", tampouco se parecia com uma pilha dessas que vão em briquedos pra fazer funcionar. Ana, era pra Ana, só Ana. Mas tinha uma coisa dentro de si que ela gostaria que as pessoas percebessem e que lhe chamassem assim. Tinha um pedaço de céu, um pedaço de luz, de infnito, e queria muito que lhe chamassem de Ana Estrela, mas essa Ana, ninguém reconhecia dentro dela.



A Menina Que Queria ser Estrela #2

Com estranha dedicação
A menina que queria ser estrela
Subia as escadas da imaginação
Construia castelos de areia
Onde reinava como princesa
Brilhava como rainha
Se divertia como o bobo que festeja.
Construia espadas de madeira
Com a qual matava dragões
Nomeava cavaleiros
E fazia reinar a paz nas multidões.
Fazia barcos de papel
Onde era a capitã rainha do mar
A pirata mais temida
Ou a sereia capturada a chorar.
Fazia foguetes com caixas de remédio
E com eles ia flutuar no espaço
Pulava de estrela pra lua
Cercava a Terra num abraço.
Contruia rios de sacolas plásticas
Onde se banhava feito índio encalorado
Relaxava feito jacarés ao sol
Nadava como um peixe dourado
Fazia bolas de sabão
Onde entrava pra voar
Ficava pra dormir
Olhava pra sonhar.
E a menina que queria ser estrela
Nao tinha onde não brincar.


A Menina Que Queria Ser Estrela #3

Vivendo na cidade, todos os desejos secretos de Ana não podiam ser realizados. Um dos poucos lugares em que podia brincar era um parquinho velho no prédio vizinho a sua casa velha. Seu avô usava a desculpa de levá-la para brincar para poder, na verdade, visitar sua velha amiga Gertrude que tinha mais idade que aquele parquinho. Os dois se sentavam num banquinho e ficavam conversando por horas enquanto Ana se balançava nos balanços de correntes enferrujadas. Ela nem gostava daquele lugar, preferia ficar em casa brincando com seu irmão na marcenaria improvisada do avô, com seus brinquedos de madeira improvisados. Mas sabia que era importante para seu avô estar ali, era a única amiga dele, a Gertrude, e como há muito tempo Ana não tinha avó, torcia muito para que um dia seu avô tomasse coragem de pedi-la em casamento. Por isso deixava que todas as segundas, quartas e sexta-feiras ele a levasse pra brincar naqueles brinquedos de metal cinza e até fingia se divertir.
Ana também não tinha amigos. Tinha os da escola, claro, mas estes ela só via lá. Todos moravam muito longe dela e por isso ela nunca visitou nenhum deles. Não haviam muitas crianças naquele bairro, na verdade ele parecia ter sido projetado para abrigar idosos. Havia um asilo perto de casa, um sanatório, um hospital e como se não fosse suficiente as residências dos arredores eram constituídas de prédios velhos com parquinhos velhos que abrigam velhos. E haviam casas também, como a sua, que parecia ter sido uma grande casa senhoril, como as casas da época em que existiam escravos, como nas gravuras do livro da escola, mas ja sem nenhum brilho majestoso de senhores de engenho. Também essas casas estavam velhas e sem cor.
Sem locais bonitos e coloridos pra se brincar, correr, pular e sem amigos com quem compartilhar brincadeiras, Ana se via sempre muito sozinha. E não é que sozinha descobriu que possuia algo que podia mudar tudo? Sim, oras, a imaginação.
Era no quintal da sua casa que usava pedacinhos de madeira, pó de serra, papelão e tudo o mais que encontrasse em sua frente para com a ajuda de sua rica mente contruir os brinquedos mais incríveis que alguém pudesse imaginar. Cavalos, espadas, escudos, castelos, dragões e outros animais de aparência fántástica e mitológica. Fazia de seu avô o gigante, de seu irmãozinho o prisioneiro a ser salvo, e assim passava seus dias com mais alegria e cor.
A noite, quando sua mãe chegava da lanchonete da família - que servia sopas e doces dietéticos para idosos - em que trabalhava todos os dias da semana para garantir o sustento da família, Ana e seu irmão ja haviam enxido a barriga com um mingal delicioso que seu avô preparava e já estavam prontos pra dormir, e então, Ana e seu irmão deitavam-se com sua mãe enquanto o avô contava longas e calorosas histórias de sua infância. A mãe gostava tanto quanto as crianças de ouvir aquela história, era um dos poucos momentos que tinha para passar com seus filhos, e de certa forma, aquelas histórias do avô também a transportavam para um mundo melhor onde gostaria de viver com sua família. A mãe era muito jovem, tinha apenas trinta anos e garregava em suas costas toda a responsabilidade pela família, assim como Ana, ela nunca tinha tido amigos ou lugares bonitos pra brincar. Desde pequena ajudava seus pais na lanchonete. Muito cedo perdera a mãe, avó de Ana, e muito cedo perdeu também seu marido, que marinheiro, partiu para uma viagem e teve seu barco perdido em naufrágio, deixando-a sozinha com os dois filhos e seu pai para cuidar. A sorte da família era aquela lanchonete, que em outros tempos era famosa e muito movimentada, mas com o envelhecimento daquele bairro, a mãe teve que adaptar o local antes barulhento e alegre para um local silencioso e tranquilo que agradem os clientes locais...


2 comentários:

  1. Nossa, Que inpiraçao ... mas tambem com Ana nao tem quem fique inspirado.
    Essa é e menina que com seu brilho ainda é apenas uma estrela, mas um dia uma estrela ela continuara a ser, mas nao qualquer estrela ... ela sera um sol que seu brilho todos viram.

    De: Augusto da Silva

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  2. Ansioso por "A Menina Que Queria Ser Estrela #4"...

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