"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever eu me morreria simbolicamente todos os dias" (Clarisse Lispector - A Hora da Estrela)

domingo, 7 de agosto de 2011

Lâmpadas queimadas

- Você está tomando café?
- "Tô"
Eles nunca dariam certo, ela dormia de bruços, detestava televisão, prefiria a grama verde e uma toalha estendida, a paz de um céu azul num domingo.
Ele queria mais é saber do agito, de falar besteiras, contar piadas, barulho.
Os perfeitos opostos.
Num momento raro de silêncio no quarto, ele jogava paciência e ela lia seu livro na cama. A concentração estava difícil e ambos voavam longe com pensamentos que nada tinham a ver com o que faziam. Começava a escurecer, a lâmpada do quarto havia queimado, ninguém com vontade ou ânimo de trocar. Os olhos começavam a pesar.
Um breve movimento de cabeça e ela olhou pra suas costas largas na cadeira e repensou toda aquela vida de companheirismo mútuo, de reciprocidade inabalável, um relacionamento baseado também em sonhos divididos, vontades esquecidas, gostos mudados, o ceder, o abrir mão, sempre ali, perseguindo os dois. Ela desistira de viajar pra montarem uma casa, ele desistira de estudar pra pagar as contas da casa, os dois deixaram sua vida para viver a do casal, agora os dois eram um. Qualquer atitude sendo avaliada primeiro, com cautela, cuidado, colocando-se no lugar do outro. "Será que ele vai gostar se eu mudar a cama de lugar?".
Eles eram invejados pelos amigos. O relacionamento perfeito. Quem foi que fez brotar essa idéia na cabeça das pessoas? Talvez eles mesmos com essa postura de casal feliz.
Aquelas costas nem parecem mais as mesmas costas pela qual ela havia se apaixonado.
Ela não suportava quando ele ria alto e chamava a atenção.
Ele não suportava o fato d'ela estar sempre grudada a um livro em silêncio.
Por que mesmo eles estavam ali? Pra deixar mais idéias próprias morrerem no ar em função do parceiro? Essa vida cansa, até pra quem um dia amou.
Por fim, sonolenta demais e cansada demais, ela decidiu que iria mudar pra valer essa situação.

- Mas você nem gosta de café.
- Fiz pra você, amor. Vamos tomar juntos.

Deixe para amanhã, a lâmpada ainda precisa ser trocada.

5 comentários:

  1. Doeu um pouco ler isso!

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  2. É Maura, acho que este seu texto deveria ser lido por varios casais. Onde ficou aquele brilho, aquele fogo, aquela paixão? Não é tão complicado assim. Ao menos não deveria ser. É perguntar-se todos os dias "Por que me apaixonei por você?"

    Enquanto souberem responder sem saudar o passado, mas sim o presente, é porque o amor ainda está ali. Nâo é tão difícil, é só ser honesto. Nem tudo dura a vida toda. Mas dura enquanto quisermos.

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  3. Muito bom este seu texto. Acredito que uma relação é de mão dupla. naõ basta um tentar. Tem que ser os dois. Né não?
    Um beijo grande

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  4. É sim Paulo... Eu sempre digo que em qualquer relacionamento a chave é reciprocidade!
    Grande beijo pra vc! Obrigada pela visita!

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  5. Quanto sentimento cabe em uma xícara de café?

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