"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever eu me morreria simbolicamente todos os dias" (Clarisse Lispector - A Hora da Estrela)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O café

Quando eu era menina pequena, sei lá, há 10 anos direto do túnel do tempo, em determinados domingos de feriados santos, além do especialíssimo dias das Mães (que nunca deve ser esquecido), meus pais me levavam pra casa dos meus avós maternos na roça. Lá tinha vaca, galinha, porco, cachorro, fogão à lenha desses que funcionam de verdade e até uma máquina de moer milho que eu usava como brinquedo! Também me divertia jogando comida pros pintinhos e vendo eles brigarem com uma minhoca no chão de terra batida. Mas se algum deles chegasse perto eu saia correndo, com certeza. Às vezez eu me sentia uma ET. Sempre soube que eu nasci pra viver na cidade, esse negócio de roça não é comigo, eu sou do cimento, do gatinho que mora dentro de casa, dos cactos plantados num vazinho. Talves uma graminha, uma churrasqueira, e só. Sou um desastre total no quesito "que planta é essa?".
Mas vez ou outra me transporto pra mémorias a muito tempo escondidas e viajo em uma dimesão totalmente perfeita e nostálgica. Eu estou novamente sentada debaixo de uma árvore com um caderno de desenho em uma das mãos e várias canetas coloridas na outra, quando sinto um cheiro envolvente e sedutor até mesmo pra uma menininha de 10 anos.
Era o café sendo torrado.
Café sendo torrado... Que essência divina era aquela? Um aroma tão único, daquele grão de café que por mãos trabalhadoras, calejadas e humildes foi plantado, cuidado, colhido, que agora seca e torra na chapa do fõgão e que no pilão será socado e destroçado, na água quente banhado pro meu paladar mal tratado poder se deliciar!
Ah! Quanta saudade daquele cheiro, daquele momento raro, daquele café de verdade, puro, que aquece até a alma quando se bebe. Um cheiro que faz flutuar como nos desenhor animados, um cheiro desses que a gente até fecha os olhos pra sentir melhor, fecha todos os outros sentidos, só o aroma importa, uma vontade de ficar ali pra sempre, de saborear, de tocar, viver o café.
Hoje meus avós se mudaram pra civilização urbana, onde existe uma carrasca de sensações chamada garrafa térmica, existe um saco plástico assasino dos aromas, onde o pó já vem moído e embalado, com nome, marca, e jingle! Existe um esquipamento eletrônico na casa de todas as pessoas que desmistificam todo esse ritual sagrado do café transformando-o em um simples processo elétrico.
Acabou-se. Acabou-se o cheiro, o aroma, as lembranças, o sabor, o calor.

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